A Papisa Joana teria sido a única mulher a governar a Igreja durante dois ou três anos, segundo uma lenda que circulou na Europa por vários séculos. É considerada pela maioria dos historiadores modernos e estudiosos religiosos como fictícia, possivelmente originada numa sátira anti-papal.
Lenda da Papisa Joana
A lenda teve origem no final do século IX, mas outros situam o papado de Joana até dois séculos e meio antes, depois da morte do Papa Leão IV, coincidindo com uma época de crise e confusão na diocese de Roma. Segundo um cronista do século XIII, Joana ocupou o cargo durante dois ou três anos, entre o Papa Leão IV e o Papa Bento III (anos de 850 e 1100).
Versões
A história possui várias versões. Segundo alguns relatos, Joana teria sido uma jovem oriental, nascida com o possível nome de Giliberta, talvez de Constantinopla, que se fez passar por homem para escapar à proibição de estudar imposta às mulheres. Extremamente culta, possuía formação em filosofia e teologia. Ao chegar a Roma, apresentou-se como monge e surpreendeu os doutores da Igreja com sua sabedoria. Teria chegado ao papado após a morte do Papa Leão IV, com o nome de João VII. A mesma lenda conta que Joana se tornou amante de um oficial da Guarda Suíça e ficou grávida.
Outra versão - a de Martinho de Opava - afirma que Joana teria nascido na cidade de Mainz, na Alemanha, filha de um casal inglês aí residente à época. Na idade adulta, conheceu um monge, por quem se apaixonou. Foram ambos para a Grécia, onde passaram três anos, após o que se mudaram para Roma. Para evitar o escândalo que a relação poderia causar, Joana decidiu vestir roupas masculinas, passando assim por monge, com o nome de Johannes Angelicus, e teria então ingressado no mosteiro de São Martinho.
Conseguiu ser nomeada cardeal, ficando conhecida como João, o Inglês. Segundo as fontes, João, em virtude de sua notável inteligência, foi eleito Papa por unanimidade após a morte de Leão IV (ocorrida a 17 de julho de 855).
Apesar de ter sido fácil ocultar sua gravidez, devido às vestes folgadas dos Papas, acabou por ser acometida pelas dores do parto em meio a uma procissão numa rua estreita, entre o Coliseu de Roma e a Igreja de São Clemente, e deu à luz perante a multidão.
As versões divergem também sobre este ponto, mas todas coincidem em que a multidão reagiu com indignação, por considerar que o trono de São Pedro havia sido profanado. João/Joana teria sido amarrada num cavalo e apedrejada até à morte.
Noutro relato, Joana teria morrido devido a complicações no parto, enquanto os cardeais se ajoelhavam clamando: "Milagre, milagre!".
Publicações
A história foi publicada pela primeira vez no século XIII pelo escritor Esteban de Borbón e espalhada pelos séculos, porém sem provas. O teólogo David Blondel e o filósofo alemão Wilhelm Leibnitz, além dos enciclopedistas franceses, rotularam a história como falsa.
Em 1886, voltou a ser difundida pelo escritor grego Emmanuel Royidios no romance A Papisa Joana, traduzido para inglês em 1939 pelo escritor Lawrence Durrell.
Investigação
Existem muitas controvérsias sobre esta história. Alguns historiadores tornaram-se partidários de sua veracidade, outros contestaram-na como pura invenção.
Alguns céticos afirmam que o mito pode ter surgido em Constantinopla, devido ao ódio da Igreja Ortodoxa contra a Igreja Católica. O objetivo seria desmoralizar a igreja rival.
Outra vertente é de que este papa seria, na verdade, um eunuco que, por ser castrado, não foi eleito, mas antes rotulado de mulher.
Outra hipótese é que, no século XIII, o papado tinha um grande número de inimigos, especialmente entre a Ordem dos Franciscanos ou a dos Dominicanos, descontentes com as diversas restrições a que eram submetidas. Para se vingar, teriam espalhado verbalmente a história da papisa.
Barônio considera a papisa um monstro que os ateus e os heréticos tinham evocado do inferno por sortilégios e malefícios. Florimundo Raxmond compara Joana a um segundo Hércules enviado do céu para esmagar a Igreja romana, cujas abominações tinham excitado a cólera de Deus. Contudo, a papisa foi defendida por um historiador inglês chamado Alexander Cook.
No seu libelo, o padre Labbé acusava João Hus, Jerônimo de Praga, Wiclef, Lutero e Calvino de serem os inventores da história da papisa, mas provou-se que, tendo Joana subido à Santa Sé perto de seis séculos antes do nascimento do primeiro daqueles homens ilustres, era impossível que eles tivessem imaginado tal fábula; e que, em todo o caso, Mariano, que escrevera a vida da papisa mais de 50 anos antes deles, não poderia tê-la copiado das suas obras.
Crônicas contemporâneas investigam a época do reinado de Joana. O principal argumento é que esses historiadores, sendo prelados, padres e monges, todos zelosos partidários da Santa Sé, tinham interesse em negar a ascensão escandalosa de uma mulher ao trono de São Pedro, devido à intensa misoginia característica da Igreja medieval.
Um dos sinais mais interessantes da existência de Joana é um decreto publicado pela corte de Roma, proibindo que se colocasse Joana no catálogo dos papas: «Assim, acrescenta o sensato Launay, não é justo sustentar que o silêncio que se lançou sobre essa história, nos tempos imediatamente posteriores ao acontecimento, seja prejudicial à narrativa feita mais tarde. É verdade que os eclesiásticos contemporâneos de Leão IV e de Bento III, por um zelo exagerado pela religião, não falaram nessa mulher notável; mas os seus sucessores, menos escrupulosos, descobriram afinal o mistério.
Genebrardo, arcebispo de Aix, afirma que, durante perto de dois séculos, a Santa Sé foi ocupada por papas de um desregramento tão espantoso que eram dignos de serem chamados apostáticos e não apostólicos, e acrescenta que as mulheres governavam a Itália e que a cadeira pontifical se transformara numa roca (armação de madeira das imagens dos santos-de-roca). E, com efeito, as cortesãs Teodora e Marósia dispunham, segundo o seu capricho, do lugar de vigário de Jesus Cristo e colocavam no trono de São Pedro os seus amantes ou filhos ilegítimos.
Outras lendas de mulheres na Igreja
Além da fábula da Papisa Joana, circulam diversas lendas sobre mulheres que teriam vestido o hábito sacerdotal. Uma cortesã chamada Margarida ter-se-ia disfarçado de padre e entrado para um convento de homens, onde tomou o nome de Frei Pelágio; Eugênia, filha do célebre Filipe, governador de Alexandria no reinado do imperador Galiano, dirigia um convento de frades, e não descobriu o seu sexo senão para se desculpar de uma acusação de sedução que lhe fora intentada por uma jovem.
A crônica da Lombardia, composta por um monge de Monte Cassino, refere igualmente, segundo um padre chamado Heremberto (que escrevia trinta anos depois da morte de Leão IV), a história de uma mulher que fora patriarca de Constantinopla:
«Um príncipe de Benevento, chamado Archiso, diz, teve uma revelação divina na qual um anjo o advertia de que o patriarca que ocupava então a sede de Constantinopla era uma mulher. O príncipe apressou-se a informar o imperador Basílio, e o falso patriarca, depois de despojado de todas as suas vestes diante do clero de Santa Sofia, foi reconhecido por uma mulher, expulso vergonhosamente da Igreja e encerrado num convento de religiosas.»
Tarot
Misteriosamente, a história foi imortalizada num arcano do Tarot, a segunda lâmina, «A Papisa», carta que representa a sabedoria, o conhecimento, a intuição e a chave dos grandes mistérios.
Cultura popular
- Papisa Joana é o nome de um jogo de cartas britânico. A mais antiga referência ao «Jogo da Papisa Joana» aparece no Dicionário Oxford de Inglês em 1732, embora não se tornasse verdadeiramente popular até ao século XIX. Henry Mayhew atesta em sua London Labour and the London Poor (1851) que este jogo se tornou «hoje raro».
- O romance de 1866 intitulado The Papess Joanne (Ή Πάπισσα Ίωάννα) trouxe fama mundial ao escritor Emmanuel Rhoides. Elaborado com brio literário sobre a lenda da papisa Joana, levou no entanto à sua excomunhão pela Igreja Ortodoxa Grega.
- O filme Pope Joan foi lançado em 1972, com Liv Ullmann como Joana, com participação de Olivia de Havilland e Trevor Howard como Papa Leão.
- Donna Woolfolk Cross escreveu em 1996 o romance Pope Joan, adaptado para o cinema (Pope Joan, que foi lançado em 22 de outubro de 2009 na Alemanha com o título Die Päpstin).[4][5]
- A lenda da Papisa Joana foi a base para a história de Giovanna da revista em quadrinhos do Fantasma, escrita por Ingebjørg Berg Holm, desenhada por Dick Giordano e publicada pela primeira vez em 2003.
- Pope Joan é o título de um dos poemas do poeta laureado Carol Ann Duffy A coleção The World's Wife.
- O livro de 2006 Sign of the Cross, de Chris Kuzneski, propaga a lenda, descrevendo a papisa Joana como uma escriba inglesa que morreu pouco depois de se tornar papa ao dar à luz durante uma procissão pública, perante a multidão.
- A lenda da Papisa Joana é contada no capítulo 34 da novela Le Mystère des Dieux por Bernard Werber.
- Há uma canção de Randall Goodgame em seu álbum Guerra e Paz intitulada «The Legend of Pope Joan», sobre a lenda em si.
Referências
- ↑ New MI and Kitzinger ES. Pope Joan: a recognizable syndrome. J Clin Endocrinol Metab, 1993
- ↑ vol 2 p7
- ↑ imdb: Pope Joan
- ↑ Donna Woolfolk Cross: Primetime Live
- ↑ IMDB (2009-10-22). Pope Joan. Retrieved on 2009-10-22 from http://www.imdb.com/title/tt0458455/.
Bibliografia
- Lachatre, Maurice. Os Crimes dos Papas - Mistérios e Iniquidades da Corte de Roma. São Paulo: Madras Editora Ltda, 2005. ISBN 85-7374-776-5
http://pt.wikipedia.org/wiki/Papisa_Joana acessado em 6 de setembro de 2011
Papisa Joana: Uma Mulher Papa
De Paulo Rezzutti
“Não vou ficar, como diversos jornalistas fizeram, dando como notícia o fato de ter existido uma mulher Papa. O fato de ter havido, segundo alguns parcos registros sobreviventes, uma mulher que teria ocupado o trono de São Pedro, é material de livros há anos, inclusive com versões em português. Vide A Papisa, de Peter Stanford, publicado pela Gryphus em 2000.
Porém, como diz a escritora Ruth Guimarães, todas as histórias já foram contadas, o importante é como recontá-las, e isso a escritora Donna Woolfolk Cross sabe fazer muito bem.
O livro Papisa Joana, publicado pela Geração Editorial, com tradução do escritor Paulo Schmidt, é uma excelente ficção histórica, que nada fica a dever às histórias do escritor britânico Bernard Cornwell, incluindo-se nessa comparação algumas cenas de batalha. Outra característica comum entre ambos está no profundo estudo feito para tornar o mais fiel possível a ambientação de suas narrativas, como a sociedade, hábitos e costumes da época em que a história se passa.
Se as mulheres hoje se queixam de ganharem menos do que os homens e ainda terem que cuidar da casa quando chegam do trabalho, acreditem, isso não é nada comparado com a situação delas na Alta Idade Média, quando eram consideradas pouco mais do que crianças sem direitos, apenas com deveres de servir ao seu homem e senhor, praticamente escravas.
No mais, a mulher não precisava ler nem escrever, mil anos antes de uma frase que ficou famosa no Brasil durante a virada do século passado: “Uma mulher só precisa saber ler e escrever o suficiente para fazer suas orações e anotar receitas de compotas”. Machismos à parte, que belo golpe deve ter sido para a Santa Madre Igreja ter descoberto que uma mulher estava fazendo o trabalho de um homem! O que, aliás, não era coisa tão inimaginável naquela época. As mulheres que se recusavam a ser tratadas como meros objetos e queriam mais, pois sentiam necessidade de estudar, de aprender, invariavelmente lançavam mão do recurso de se travestir de homens para conseguir seus objetivos. Algumas acabavam sendo descobertas, como no caso de Joana, que, grávida, teria parido no meio de uma procissão, em plena Via Sacra, em Roma (hoje Via de S. Giovanni). Outro caso é o de Eugênia de Alexandria: disfarçada de homem, chegou à posição de Abade em um monastério, identidade que abandonou ao mostrar o seu sexo como último recurso para refutar a acusação de ter deflorado uma virgem. Outras, porém, tiveram mais sorte, e acabaram seus dias como homens, sem que ninguém se apercebesse da fraude. Se Joana tivesse tido a mesma sorte destas, provavelmente nunca conheceríamos sua história.
O livro Papisa Joana foi transformado em filme, pela produtora Constantin Films, a mesma de O Nome da Rosa. O filme, com externas na Alemanha, na Bulgária e em Marrocos, estreia em outubro na Europa e chega em dezembro ao Brasil.”
http://bloggeracaoeditorial.com acessado em 6 de setembro de 2011
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